quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Corte por Daniela Cunha - Jornalista




Corte – Refiro-me à palavra com a sílaba tônica cor pronunciada com o “o” aberto é o espetáculo do grupo Jogo de Cena, concebido e dirigido pelo Décio Antunes, com coreografias de Maria Waleska Van Helden. Como o próprio nome do trabalho, é difícil comentá-lo pela complexidade do que não se vê, mas que está subentendido na obra.


Prato cheio para os intelectuais dessa era, o Corte traz à tona a filosofia, a sociologia, as inquietudes deste século, mas remete também à mitologia grega e a eterna angústia de Sísifo, condenado a “fazer rolar a pedra, sempre a mesma para cima do monte, sempre o mesmo...” Lembra também Edgar Morim e sua teoria do caos e da ordem, típicos desse nosso tempo tão controverso, tão doido e doído e um pouco de Shakespeare em “Ser ou não ser, eis a questão”. O Corte é um pouco de tudo, mas basicamente, mostra a dor desse nosso tempo meio sombrio, violento, fragmentado, aos pedaços.


Tanto faz se o espectador já ouviu falar nos modernos ou pós-modernos ou em gregos e romanos. O Corte escancara um tempo midiático profetizado por Marshall Mc Luhan quando afirmava que “o meio é a mensagem” e introduziu, como um verdadeiro visionário, a terminologia aldeia global. É nosso esse tempo de bits e bytes, de velocidade e vida no ciberespaço. Também é nosso esse tempo sombrio de jovens fundamentalistas que viram homens e mulheres bombas que morrem por uma causa ou são atropelados por aviões em seus ambientes de trabalho. Esse tempo fluido, exposto e escondido está no Corte.


Como um soco no estômago, o espetáculo faz pensar, incomoda. Porém, é na mistura perfeita de elenco e cenário que a esperança pode surgir de algum escombro. É ali entre tonéis e carcaças que ressurge quase como um milagre as presenças de Cristina Camps, Fabiane Severo, Graziela Silveira, Maria Albers, Patrick Vargas, Robson Duarte e Stela Menezes. Eles lembram que a vida pulsa na luz ou na sombra. Se no terceiro milênio estamos atrapalhados com tanto barulho e com um tempo onde as horas pesam, esse tempo é dessa geração. Nossos somos os donos das escolhas, das penumbras, das tempestades, das noites. Temos o desafio de mudar o paradigma, de fazer a revolução e pensar num outro mundo, menos consumista, talvez, mais humanizado, quem sabe.


O Corte é importante pelo que não diz e pelo que não mostra. É fundamental pela falta de alegria, de cor. O Corte pode ser simplesmente o anúncio ou o início de um novo tempo, mais leve, mais consistente, mais viável. O Corte pode ser simplesmente o tempo de ontem, de torres gêmeas desabando, de Bush atordoando, de Bin Laden revidando. O Corte é fundamental pelo que revela e escancara. É a ferida desse nosso tempo ou quem sabe a cicatriz desse mesmo tempo. Contraditório, é o nó nas tripas, a fratura exposta, é o corpo correndo atrás da cabeça e ela em busca do sentido da vida. Um luxo (ou lixo existencial)! Só para variar, Décio e Waleska saem de novo do lugar comum e arrasam, sem cortes. Bravo!


Daniela Cunha - Jornalista


danielacunha@terra.com.br

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